Maurícia dos Reis Leandro[1]
A toxicomania é um anti-amor? Esse foi o tema escolhido para o encontro da Rede Americana TyA, tomando como base o texto “A teoria do parceiro” de Jacques-Alain Miller. O evento contou com a apresentação de dois trabalhos e suscitou reflexões acerca da função que a droga pode exercer para o sujeito, ora como solução para aplacar o mal-estar que o encontro com o real produz, ora como uma via para satisfazer um imperativo de gozo. Se para Freud a droga permitiria que o sujeito alcançasse independência com relação às exigências do supereu, na toxicomania a fantasia e os objetos imaginários seriam sacrificados em favor de um objeto assexuado.
A questão do anti-amor foi entendida como fundamental para pensar o fenômeno das toxicomanias, em que pese justamente o afrouxamento do laço social que se verifica em muitos casos, em direção a um modo de gozo autoerótico que obtura o desejo de saber sobre o inconsciente. Observou-se ainda que na toxicomania o Outro passaria a ser invadido pelo gozo, não estando mais a serviço do Nome-do-Pai, que implicaria instaurar a castração e barrar o excesso de gozo. No caso do amor, por sua vez, haveria um direcionamento pulsional da satisfação autoerótica a um outro. Assim, considerou-se a toxicomania como uma forma contemporânea de gozo que prescinde do Outro e o outro, apontando para uma relação do sujeito com o objeto a mais de gozar, o que atende as demandas do discurso capitalista.
Partindo dessa noção, questionou-se que tipo de parceria aconteceria entre o sujeito e o objeto droga que, diferente do amor, não faz laço. Perguntou-se ainda qual seria o lugar do analista como parceiro, e como intervir a fim de que um Outro seja introduzido no circuito pulsional.
O primeiro relatório apresentado abordou um caso em que se fazia presente um vazio existencial que mortificava o desejo de viver, e a droga consistiria em uma tentativa de solucionar a desconexão de uma mulher com o seu corpo, de sair do lugar de mero objeto de gozo desse corpo que falava dela e com ela. Através da intervenção, o analista pôde se colocar como Outro barrado, fazendo furo no gozo do corpo próprio, levando essa mulher a um reposicionamento, que consistiu na passagem de uma posição de dejeto para de sujeito, passando a interrogar-se e a falar sobre sua vida.
Já o segundo relatório buscou fazer uma articulação entre toxicomania, gozo feminino e devastação feminina. Nessa análise, foi pontuado que a posição feminina implicaria uma relação mais próxima do não todo e a demanda de amor pode adquirir um caráter absoluto e infinito. Diante disso, entendeu-se que, assim como no amor, a mulher poderia colocar a droga no lugar de S( A/ ) na tentativa frustrada de obturar o real da castração, o que resultaria em um impulso superegóico de gozo, produtor de uma relação devastada com o objeto. A partir dessas considerações, indagou-se se o amor devastação e toxicomania corresponderiam ao mesmo circuito.