SOBRE O CONSELHO DELIBERATIVO

O que encontrar no ICP?

A chegada dos interessados na seleção do Ciclo Fundamental nos coloca questões preciosas a cada vez. Nos deixar interpretar por onde e como surgem as transferências com o ICP nos coloca frente a paradoxos diante dos quais só poderemos responder conectados ao funcionamento institucional elaborado e transmitido por Jacques Lacan. É ele nossa bússola, potente e não totalizante, por exigir invenções atuais – Lacan não nos deixa adormecer num automatismo institucional que só revelaria um “desconhecimento sistemático do mundo”[1].

Jacques-Alain Miller nos ajuda a pensar a função do Instituto e o que está a seu cargo. Retomo alguns pontos que nos orientam a sustentar o ICP a cada um que o procura, assim como a nós mesmos.

Estatuto do Instituto e Campo Freudiano

O estatuto do ICP ressalta duplamente seu vínculo com o Campo Freudiano. Diretamente, ao situar que “O ICP é criado em associação com o Instituto do Campo Freudiano”[2], e indiretamente, ao determinar sua articulação à EBP-Rio: “O ICP insere-se na orientação da Associação Mundial de Psicanálise e trabalha em articulação com a Escola Brasileira de Psicanálise – Escola do Campo Freudiano”.

Algumas palavras sobre o Campo Freudiano: ele foi criado por Lacan em 1979[3]. Havia a presença de Lacan, com seus quase 80 anos, uma geração intermediária, com seus 50 a 60, e os jovens, que não tinham completado 40, incluindo aí Miller e Laurent. Pouco tempo depois, a geração intermediária renunciou e ficaram Lacan e os mais novos. O falecimento de Lacan não demorou, o que deixou aos jovens a tarefa de seguir adiante com o que extrairiam de seu ensino, inclusive os fundamentos institucionais decisivos pra continuidade do CF. Recorro a uma passagem de um precioso texto de Lacan sobre a Segunda guerra pra tentar apreender o que se colocava em jogo pra esses jovens naquele momento: “encontrar no próprio impasse de uma situação a força viva da intervenção”[4].

Escola e Instituto

Temos, então, Escola e Instituto. O que os aproxima? O que os diferencia? Estas são perguntas com camadas, como dizemos atualmente. Ficarei com uma primeira camada para podemos ir mais diretamente a um ponto. O que os aproxima? A filiação de ambos ao Campo Freudiano nos dá a deixa: a orientação lacaniana, orientação promovida por Jacques-Alain Miller em seus cursos e que tem como base o Seminário de Lacan. Este, por sua vez, “restituiu e renovou o sentido da obra de Freud”[5].

Mais um ponto de junção: nem Instituto nem Escola concedem um diploma de psicanalista. Ou seja, nem Instituto nem Escola habilitam para o exercício da psicanálise. Lacan radicaliza o princípio freudiano de que é na análise que podemos localizar o dispositivo de produção de um analista[6].

Localizando rapidamente essas aproximações iniciais, agora podemos passar a algumas de suas diferenças.

A Escola é uma invenção de Lacan. Se antes havia sociedades psicanalíticas que determinavam as condições do exercício da psicanálise, incluindo a regulação da formação dos analistas, a Escola é uma instituição voltada a fazer avançar a psicanálise. Para mantê-la nessa função, Miller refaz o movimento de Lacan quando este institui um departamento de psicanálise na Universidade Paris VIII. Miller cria o Instituto do CF. Na Escola há um saber suposto, e esta suposição de saber pode fazê-la implodir de dentro. Para tanto, um “aguilhão” é necessário, uma ponta perfurante que fure e faça barra à Escola. É aí que entra o Instituto, colocando o saber exposto à trabalho a partir da dimensão do matema, cuja origem grega vem de “aquilo que se pode aprender”. Por isso, Miller indica que o Instituto é uma instituição para-universitária, em que “o saber está a cargo de comando”[7].

O ICP e o que ele oferece

E o que seria essa instituição para-universitária que é o Instituto? Estive às voltas com este prefixo, “para”, e fiz uma breve consulta ao Google: “[O prefixo] Entra na composição de um grande número de palavras com várias significações: ao lado, além, acima de, a par de, à volta de, para, contra, quase”[8]. O que pude depreender até agora é que o prefixo nos ajuda a saber que o Instituto não vai coincidir com a universidade, mesmo estando bem próximo dela – ao lado, por exemplo.

O ICP, então, oferece cursos, cujo currículo é sistemático e organizado, e Núcleos e Unidades de pesquisa. Aos participantes, entretanto, se pede que não se encontrem como aqueles que irão receber um saber que independa deles, é pedido “alto grau de iniciativa”[9], o que compreende que a dimensão inconsciente possa estar em jogo. Àquele que se encontra na posição de ensinante, o saber que ensina “só encontra sua verdade no inconsciente, quer dizer, em um saber do qual ninguém pode dizer ‘eu sei’. O que se traduz no seguinte: só se dispensa um ensino no Campo Freudiano a condição de sustentá-lo com uma elaboração inédita, por modesta que seja.”[10]

Por essa via é possível saber que o encontro entre Instituto e universidade será um tanto desencaixado. Que Instituto e Escola não são sinônimos e que, inclusive, o Instituto serve de limite à Escola, com a qual se acha profundamente articulado.

O que se pode encontrar no Instituto é um saber que não se totaliza, que está em constante movimento, o que a clínica nos atesta diariamente, já que nossa orientação visa o real. É essa orientação que você pode encontrar aqui. E esperamos estar à altura de transmiti-la a você.

 

Tatiane Grova Prado
Secretária do Conselho do ICP-RJ


[1]              Lacan, J. [1947] “A psiquiatria inglesa e a guerra”. Em: Outros escritos. RJ: Zahar, 2003, p. 106.
[2]              Estatuto do ICP-RJ.
[3]              Para início de conversa, indico o site da Associação Mundial de Psicanálise, que introduz e situa o Campo Freudiano: https://wapol.org/pt/campo_freudiano/Template.asp. Para aprofundamento da conversa, recentemente houve o lançamento do livro El nacimiento del Campo Freudiano que reúne comunicados, conferências, entrevistas, enfim, textos millerianos nos quais encontramos a trama cujo funcionamento continua fazendo vibrar e acontecer o ICP.
[4]              Lacan, 1947/2003, p. 113.
[5]              Em: https://wapol.org/pt/los_institutos/Template.asp
[6]              Vale seguir o texto de Miller intitulado “Prólogo de Guitrancourt” para entender os embaraços da ideia de uma instância reguladora que determinaria quem seria analista fora da experiência da análise. Em: https://www.icdeba.org.ar/template.php?file=el-instituto/prologo-de-guitrancourt.html
[7]              Esse parágrafo concentra ideias extraídas de “Tese sobre o Instituto no Campo Freudiano”.
[8]              “Para”, em: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2024, em https://dicionario.priberam.org/para.
[9]              Miller, em: “Prólogo de Guitrancourt”.
[10]             Idem – tradução livre.

 

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