Aforismos e clichês – uma introdução

Cristina Duba

Quero agradecer à Paula, e à toda a diretoria do ICP, que aceitou levar adiante esse projeto lançado no ano passado de trabalhar os clichês da psicanálise, de buscar extrair de sua banalidade o que é o seu grão de saber, na sua relação com a verdade. E agradecer aos nossos convidados de hoje – porque serão 4 encontros – Paulo Vidal e Marícia Ciscato, que com certeza nos trarão contribuições muito valiosas. Quero também agradecer a presença de todos. Vou fazer uma pequena apresentação para lançar o espírito desses encontros, depois passo a palavra a Paulo Vidal, e ainda depois à Marícia Ciscato. Com certeza, teremos bons momentos.

Uma palavra de abertura. Muitos clichês psicanalíticos povoam o mundo e isso certamente abala a força de sua presença na cultura. Clichês banalizam, afogam de senso comum, poupam de pensar e anulam a força do inesperado e do imprevisto que é a alma da psicanálise. Além do mais, aforismos podem facilmente se tornar clichês. No entanto, podemos retirar dos clichês, dessas banalizações que nos poupam do advento do novo, do encontro com o insuspeitado, o aforismo que o habita e que nos acena com uma centelha de saber, produzindo uma questão, um enigma.

Um aforismo decreta, legisla, como um oráculo: uma proposição breve, com uma força de enunciação, que não explica, não argumenta, mas, na sua afirmação, sugere.

Podemos assim supor que um clichê pode ser uma espécie de aforismo banalizado, pálido, corrompido, degradado, uma verdade fatigada de repetições? Um clichê seria assim um aforismo em que se apagou a força da enunciação?

É verdade que um clichê nos provoca um certo tédio, uma sutil descrença.

Um clichê pode então não nos dizer nada, enquanto um aforismo pode ser uma fonte, uma brecha, uma sugestão. Não se trata então de recolher de um clichê, alcançar no clichê sua força de aforismo? Sua força de arte, seu frescor real?

Ao transformar o lixo, os dejetos sem sentido da vida mental, como os sonhos, os lapsos, e elevá-los à dignidade de uma psicopatologia da vida cotidiana, a via freudiana produziu a contragosto clichês que assombram a vivacidade da psicanálise na vida contemporânea – a menos que possamos nos esforçar por colher o grão de aforismo que sustenta cada clichê, o grão – Freud diria, “sexual” – que habita seu cerne.

É o que vamos perseguir nesses encontros.

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